“Onde estavas tu”, perguntou o Senhor a Jó, “quando eu lançava os fundamentos da terra? (...) quando as estrelas da alva juntas alegremente cantavam, e todos os filhos de Deus rejubilavam” (Jó 38:4a,7)? A expressão “filhos de Deus” é traduzida do hebraico Ben Elohim, que é usada no Antigo Testamento, exclusivamente para referir-se aos componentes da corte celestial.
Esses seres são às vezes chamados de anjos ( mal'akim, no hebraico e aggelos em grego)[1], e outras vezes de deuses (elohim), e ainda de Vigias ou Guardiãos (yir). Eles participavam ativamente na execução dos desígnios divinos:
“Bendizei ao Senhor, vós anjos seus, poderosos em força, que cumpris as suas ordens, obedecendo à voz da sua palavra! Bendizei ao Senhor, todos os seus exércitos celestiais, vós, ministros seus, que executais a sua vontade” (Sl.103:20-21).
Portanto, eles jamais podem receber os créditos por alguma de suas obras. Eles tão somente executam o que o Senhor lhes ordena. Razão pela qual eles não devem aceitar qualquer tipo de adoração. Quando João recebeu a visão registrada em Apocalipse, ele prostrou-se aos pés do anjo que se lhe apresentara, e foi de imediato repreendido: “Olha, não faças isso! Sou conservo teu e de teus irmãos, os profetas, e dos que guardam as palavras deste livro. Adora a Deus” (Ap.22:9).
Quando enviados a serviço, tais seres são malakim (malak, no singular), anjos mensageiros de Yahweh. Mas quando assentados na assembléia divina, são conhecidos como Ben Elohim, literalmente filhos da divindade. Só recebem a designação de filhos de Deus quando vistos em conjunto, integrando a corte celestial. Mas individualmente são apenas ministros de Yahweh. O único que pode ser chamado de Filho de Deus é Jesus Cristo, o Filho Unigênito de Deus. Os crentes em Jesus são feitos filhos de Deus, por causa de sua união mística com Ele. Os anjos são chamados filhos de Deus por causa de sua posição elevada na corte celestial, e não por terem sido gerados por Deus. Eles foram criados, e não gerados. Isso fica claro em Hebreus, onde lemos a distinção clara entre Cristo e o anjos.
“O Filho é o resplendor da sua glória e a expressa imagem da sua pessoa, sustentando todas as coisas pela palvra do seu poder. Havendo feito por si mesmo a purificação dos nossos pecados, assentou-se à destra da Majestade nas alturas. Assim ele se tornou tanto mais excelente do que os anjos, quanto herdou mais excelente nome do que o deles. Pois a qual dos anjos disse jamais: Tu és meu Filho, eu hoje te gerei? E outra vez: Eu lhe serei por Pai, e ele me será por Filho?” (Hb.1:3-5)
Não se pode comparar o Filho Eterno de Deus a qualquer outro ser angelical. Os anjos O adoram! “Ele é a imagem do Deus invisível” (Cl.1:15a). “Ninguém jamais viu a Deus” (1 Jo.4:12a). Nem mesmo os anjos[2]. Pois Ele “habita em luz inacessível” (1 Tm.6:16). Mas é o Seu Unigênito, “quem o revelou” (Jo.1:18b). Através da Encarnação, Deus Se fez visível, tanto aos homens, quanto aos anjos. Paulo chama isso de o “grande mistério da piedade”:
“Aquele que se manifestou em carne, foi justificado em espírito, visto dos anjos, pregado aos gentios, crido no mundo, e recebido acima na glória” (1 Tm.3:16).
Antes da Encarnação, o Verbo de Deus Se manifestava visivelmente através do que os teólogos chamam de Teofania. Daí, muitas vezes, encontrarmos a expressão “Anjo do Senhor” (Ou Malak de Yahweh). Era o único “anjo” que aceitava ser adorado.[3] Entretanto Deus jamais Se fez anjo. Tratava-se apenas de uma aparição momentânea. Mas na Encarnação, Deus Se faz Homem, assumindo não apenas a forma humana, como também a sua natureza.
Yahweh prometera a Moisés no Sinai: “Eu envio um anjo adiante de ti, para te guardar pelo caminho, e te levar ao lugar que te preparei. Guarda-te diante dele, e ouve a sua voz. Não te rebeles contra ele; ele não perdoará a vossa rebeldia, pois nele está o meu nome. Mas se diligentemente ouvires a sua voz, e fizeres tudo o que eu disser, então serei inimigo dos teus inimigos, e adversário dos teus adversários. O meu anjo irá adiante de ti” (Êx.23:20-23a).
Como podemos verificar neste texto, aquele “anjo” era o próprio Cristo, em quem estava o nome de Yahweh, e que Se manifestava visivelmente numa forma angelical. A voz do Anjo de Yahweh era a voz do próprio Deus.
E alguns dos filhos de Israel não apenas ouviram a voz do Senhor, como também O viram de longe. Não em Sua própria glória, mas numa glória desvanecente.
“E viram o Elohim de Israel. Debaixo dos seus pés havia como que uma calçada de pedra de safira que se parecia com o céu na sua claridade. Mas Elohim não estendeu a sua mão contra os escolhidos dos filhos de Israel; eles viram a Elohim, e comeram e beberam” (Êx.24:10-11).
Nesse texto, podemos identificar Elohim como uma alusão ao Anjo do Senhor, ou ao conjunto de anjos que se manifestaram no Monte Sinai. O termo Elohim, muitas vezes é usado para designar os Bene Elohim (Filhos de Deus/anjos).
É preferível crer que os filhos de Israel viram mesmo os Bene Elohim, e não propriamente o Anjo de Yahweh. Pois Este fora visto unicamente por Moisés, em outra ocasião, quando Lhe pediu: “Rogo-te que me mostres a tua glória” (Êx.33:18). Ainda sim, Moisés não pôde ver Sua face, mas tão somente Suas costas. Aquele não era o Deus Pai, mas o Verbo Divino, que em forma angelical, mostrou-Se a Moisés. A prova disso encontramos ao avançarmos no texto. “O Senhor desceu numa nuvem e, pondo-se ali junto a ele, proclamou o nome de Yahweh. Passando o Senhor perante Moisés, proclamou: Senhor, Senhor Deus misercicordioso e compassivo, tardio em irar-se e grande em beneficiência e verdade” (34:5-6). Não faria sentido algum o Senhor clamar a Si mesmo. Mas se entendemos que Aquele era Cristo, o Filho Eterno de Deus, numa Teofania angelical, então tudo se encaixa perfeitamente.
Moisés não apenas viu a glória de Yahweh, mas foi contagiado por ela, de maneira que os filhos de Israel não podiam fitar seus olhos nele, pois sua face resplandecia. Reportando-se a esse episódio, Paulo diz que aquela glória era desvanecente, isto é, passageira (ver 2 Co.3:7). A glória de Cristo, manifesta em forma angelical, era uma glória incompleta. Mas a glória que Ele recebeu do Pai, após a Sua Encarnação, morte e ressurreição, é uma glória inexcedível, permanente e incomparável. Ele recebeu do Pai a glória que tinha “antes que o mundo existisse” (Jo.17:5b). É essa glória que Ele promete nos revelar plenamente em Sua Vinda. A glória de Deus só pode ser plenamente vista “na face de Jesus Cristo” (2 Co.4:6b), o Deus Encarnado.
Quando chegarmos à Eternidade, nós não veremos o Pai, o Filho e o Espírito Santo de maneira distinta. Nós veremos a plenitude de Deus em Cristo. Nós O veremos tal qual Ele é, de Eternidade em Eternidade. Sua glória é tamanha, que nem mesmo os Serafins, criaturas mais chegadas ao Trono, podiam fitar-Lhe a face (Is.6). Quando João avistou Sua face, ele a descreveu “como o sol, quando resplandece na sua força” (Ap.1:16b). Todos os eleitos estão predestinados a desfrutar da mesma visão. E o que nos possibilitará vê-Lo no esplendor de Sua glória? João responde: “Mas sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque assim como é, o veremos” (1 Jo.3:2b). Agora mesmo, o Espírito da Glória, que segundo Pedro, repousa sobre nós,[4] está nos conduzindo em um processo de transformação, conformando-nos à imagem de Cristo. Paulo diz que somos transformados de glória em glória (2 Co.3:18).
· O Parlamento Divino
Os Bene Elohim formam o supremo concílio celestial, uma espécie de parlamento divino. Micaías o descreve: “Vi o Senhor assentado sobre o seu trono, e todo o exército do céu estava junto a ele, à sua mão direita e à sua esquerda” (1 Reis 22:19b).
As hostes celestiais não apenas executam as ordens de Deus, como também Lhe prestam contas. Isso é verificado em Jó, onde lemos:
“Certo dia os Bene Elohim vieram apresentar-se perante o Yahweh, e veio também Satanás entre eles” (Jó 1:6).
Fica patente que esses seres não agem com autonomia. Até mesmo Satanás tinha que comparecer a essas assembléias, para prestar contas do que fazia sobre a Terra. Satanás não era um intruso na corte celestial. Ele fazia parte dela. Ele era um dos Bene Elohim.
Originalmente, Satanás figurava entre os príncipes do céu. A Bíblia afirma que ele era um Querubim Ungido. E como tal, estava sob as ordens diretas do Senhor.
Tudo corria bem, até que aquele Querubim (kerub), deixando-se dominar pela soberba, usurpou o trono de Yahweh.
Iniciou-se uma crise na Corte Celestial. Um dos principais Querubins reclamava o direito de ascender ao Trono do Universo, e governá-lo como Deus.
O Salmista refere-se a esta conspiração angelical, quando escreve:
“O Senhor reina (...) O teu trono está firme desde a antigüidade; tu existes desde a eternidade. Os mares levantaram, ó Deus, os mares levantaram a sua voz; os mares levantaram as suas ondas. O Senhor nas alturas é mais poderoso do que o ruído das grandes águas, mas poderoso do que as grandes ondas do mar” (Sl.93:1a,2-4).
O Salmo 89 se reporta ao mesmo episódio, e compara a rebelião de Satanás à ondas do mar, e o Querubim rebelde a Raabe, o monstro marinho:
“Pois quem no céu se pode igualar ao Senhor? Quem é semelhante ao Senhor entre os Bene Elohim? Deus é tremendamente temido na assembléia dos santos; grandemente reverenciado por todos os que o cercam. Ó Senhor, Deus dos Exércitos, quem é forte como tu? Tu és poderoso, ó Senhor, e a tua fidelidade está ao redor de Ti. Tu dominas o ímpeto do mar; quando as suas ondas se levantam, tu as fazes aquietar. Tu quebrantaste a Raabe como um ferido de morte; espalhaste os teus inimigos com o teu poderoso braço” (Sl.89:6-10).
Alguns comentaristas bíblicos acreditam que o motivo da revolta de Satanás foi a criação do homem. Ele não podia admitir que um ser inferior a ele, deveria ser servido pelos anjos. Em seu raciocínio, era inadmissível que aquela raça inferior fora escolhida para receber o domínio sobre todas as obras do Criador. Alguns textos apócrifos apontam para isso. E a própria Bíblia parece confirmar isso.
Em Hebreus lemos que “não foi aos anjos que Deus sujeitou o mundo vindouro, de que falamos. Mas em certo lugar testificou alguém, dizendo: Que é o homem, para que dele te lembres? Ou o filho do homem, para que o visites? Fizeste-o um pouco menor do que os anjos, de glória e de honra o coroaste, e o constituíste sobre as obras de tuas mãos. Todas as coisas lhe sujeitaste debaixo dos pés” (Hb.2:5-8a).
Como uma criatura tão pequena, feita de barro, poderia receber tamanha glória. Talvez fosse essa a reivindicação do Querubim.
E o pior de tudo é que o próprio Criador assumiria a natureza humana, e quando fosse introduzido no mundo como Homem, todos os anjos deveriam adorá-Lo (Hb.1:6). Nada parecia mais humilhante do que isso.
Enquanto os anjos são chamados “labaredas de fogo” (algo que se extingüe), do Deus-Homem se diz: “Ó Deus, o teu trono subsiste pelos séculos dos séculos” (Hb.1:7-8). Com a criação daquela nova raça (humana), os anjos deixariam de ser os “deuses”, para serem “espíritos ministradores, enviados para servir a favor dos que hão de herdar a salvação” (Hb.1:14).
Em sua rebelião, Raabe, a serpente deslizante, logrou êxito em arrastar consigo a terça parte das hostes celestiais.
É interessante a comparação entre a rebelião promovida por Satanás, e as ondas furisoas do mar revolto.
As “águas” são uma figura de linguagem que representa os mundos habitados criados por Deus. Em algumas passagens, elas são sinônimo de “abismo”, e apontam para o espaço sideral. De acordo com Gênesis, as águas produziram seres viventes antes mesmo que a terra (Gn.1:20,24). Elas representam o ambiente propício e indispensável à vida. O que nos leva a crer que havia outras formas de vida no Universo, antes mesmo que houvesse vida na terra. Essas formas de vida eram as hostes celestiais, que habitavam outros mundos criados por Deus.
Logo no início, o Espírito de Deus pairava sobre a face das águas (abismo). Em outras palavras, o Espírito Santo envolvia todo o Cosmos, como um pássaro que choca seus ovos. Tão logo fez a luz, disse Deus: “Haja um firmamento no meio das águas, e haja separação entre águas e águas” (Gn.1:6). A partir daí, fala-se de “águas que estavam debaixo do firmamento”, e de “águas que estavam por cima do firmamento” (v.7). Houve uma separação entre elas. O próprio Deus estabeleu os seus limites. “Louvai-o, todos os seus anjos; louvai-o, todos os seus exércitos celestiais. Louvai-o, sol e lua; louvai-o, todas as estrelas luzentes. Louvai-o, céus dos céus, e as águas que estão sobre os céus” (Sl.148:2-4). Perceba a conexão entre os exércitos celestiais e as águas que estão sobre os céus.
Em Sua resposta à Jó, o Senhor argüiu: “Quem encerrou o mar com portas (...) quando fiz limites para ele, pondo-lhe portas e ferrolhos, quando eu disse: Até aqui virás, e não mais adiante; aqui se quebrarão as tuas orgulhosas ondas” (Jó 38:8a,10-11)?
Deus não apenas separou as águas, mas ordenou que elas não se misturassem. Os seres de outros mundos não deveriam deixar seu domicílio, para interferir no novo ecossistema que Deus havia acabado de criar.
Eles poderiam assistir, mas não interferir. Era o próprio Deus, em pessoa, quem cuidaria de Sua nova criatura. Por isso lemos que Deus “passeava no jardim pela viração do dia”, para conversar com o homem (Gn.3:8).
Um pouco mais adiante lemos: “E disse Deus: Produzam as águas enxames de seres viventes (...) Criou, pois, Deus os monstros marinhos, e todos os seres viventes que se arrastavam (dos quais a serpente é um), os quais as águas produziram abundantemente segundo as suas espécies” (v.20-21). Podemos fazer uma leitura literal, ao mesmo tempo em que fazemos uma leitura figurativa. Uma interpretação não desfaz a outra. Os monstros marinhos de que o texto fala são uma representação de Satanás e os anjos que o seguiram. Em algumas passagens ele é chamado de Raabe e Leviatã. Confira os textos abaixo:
“As colunas do céu tremem, e se espantam da sua ameaça. Com a sua força fendeu o mar; com o seu entendimento abateu a Raabe. Pelo seu sopro os céus se aclararam; a sua mão trespassou a serpente veloz. E isto são apenas as orlas dos seus caminhos; quão pouco é o que temos ouvido dele! Quem entenderia o trovão do seu poder?” (Jó 26:11-14).
“Todavia, Deus é o meu Rei desde a antigúidade, operando a salvação no meio da terra. Tu dividiste o mar pela tua força; quebraste as cabeças dos monstros nas águas. Fizeste em pedaços as cabeças do Leviatã, e o deste por alimento aos animais do deserto” (Sl.74:12-14).
“Naquele dia o Senhor castigará com a sua espada, a sua grande e forte espada, o Leviatã, a serpente veloz, e o Leviatã, a serpente deslizante, e matará o dragão que está no mar” (Is.27:1).
“Desperta, desperta! Veste-te de força, ó braço do Senhor; desperta como nos dias passados, como nas gerações antigas. Não foste tu que cortates em pedaços a Raabe, e trespassastes ao dragão?” (Is.51:9).
Raabe, Leviatã, Dragão, ou simplesmente “a antiga serpente” são exatamente a mesma coisa. Satanás é o Dragão, o monstro marinho que agita os mares, e faz levantar as suas ondas contra o Senhor. O mar agitado representa os anjos ímpios, que aderiram à rebelião do Diabo. Isaías diz que “os ímpios são como o mar agitado; pois não pode estar quieto, e as suas águas lançam de si lama e lodo” (Is.57:20). O sábio Salomão afirma que “o princípio da contenda é como o soltar de águas represadas” (Pv.17:14). E Judas, comparando alguns crentes impostores que haviam adentrado a igreja, com os anjos que se rebelaram, diz que esses “são ondas furiosas do mar, espumando as suas próprias sujidades; estrelas errantes, para as quais tem sido eternamente reservada a escuridão das trevas” (Jd.13).
O livro de Jó, não obstante seja uma história verídicta, também pode ser visto como uma alegoria para a trama que se desenrola no Universo, envolvendo Deus, o homem e Satanás. Como quem queria dar uma lição moral no Querubim rebelde, o Senhor lhe perguntou: “Observaste a meu servo Jó? Não há ninguém na terra semelhante a ele, homem íntegro e reto, que teme a Deus e se desvia do mal” (Jó 1:8). Bastou isso para que Satanás, atrevidamente, lança-se uma acusação contra Deus: “Acaso não o tens protegido de todos os lados a ele, a sua casa e atudo o que tem? A obra das suas mãos abençoaste, e os seus bens se multiplacam na terra. Mas estende a tua mão, e toca-lhe em tudo o que tem, e ele certamente blasfemará de ti na tua face!" (Jó 1:10-11). A justiça de Deus foi questionada, em plena assembléia dos Bene Elohim. Satanás acusou a Deus de comprar a fidelidade do homem com Sua benesses. Ao mesmo tempo, Satanás acusou o homem de ser fiel a Deus por interesse. Para que ficasse provado que Satanás estava errado, e que suas reivindicações eram injutas, Deus permitiu que ele tentasse a Jó, privando-o de tudo o que o Senhor lhe dera. O fim dessa história, todos conhecemos. Satanás foi desmascarado, a justiça divina manteve-se intacta.
Algo semelhante aconteceu no início da saga humana, envolvendo Deus, o Diabo, e o primeiro homem.
O Senhor permitiu que aquela serpente entrasse no Jardim do Éden, e colocasse o homem à prova.
As Duas Árvores
As Escrituras dizem que havia duas árvores importantes naquele Jardim de Delícias: a Árvore da Vida e a Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal. Precisamos estar abertos para o significado simbólico por trás dessas figuras. Ainda que insistamos numa leitura literal, essa, porém, não nos impede de enxergar um pouco além da letra. A Árvore da Vida é uma figura de Cristo. Foi Ele mesmo quem disse: “Eu sou a Videira Verdadeira” (Jo.15:1). Em outras palavras: Eu sou a verdadeira Árvore da Vida. Não há outra “árvore da vida”senão Cristo. É ingênuo crer que haja uma árvore literal no céu, da qual teremos que comer, para termos vida eterna. Cristo, a sabedoria eterna, é a Árvore da Vida. O sábio Salomão já sabia disso, quando escreveu: “Bem-aventurado o homem que encontra sabedoria (...) É árvore da vida para os que a abraçam” (Pv.3:13a,18a). João testifica disso: “Deus nos deu a vida eterna, e esta vida está em seu Filho”(1 Jo.5:11). Era a comunhão que o primeiro homem tinha com Deus, por meio de Cristo, que lhe garantia a vida eterna. “Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por meio dele, e sem ele nada do que foi feito se fez. Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens”(Jo.1:2-4). Era a comunhão com Ele, que possibilitava aos primeiros pais, desfrutarem a vida eterna. Aquela Árvore da Vida que estava no centro do Jardim, era ninguém menos que o próprio Cristo. E Ele mesmo diz: “Da mesma forma como o Pai que vive me enviou e eu vivo por causa do Pai, assim aquele que se alimenta de mim viverá por minha causa”(Jo.6:57).
Ora, se a Árvore da Vida é uma figura, temos que concluir que a Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal também o é.
O que representaria tal misteriosa árvore?
Encontramos uma pista no livro do Profeta Ezequiel. É o Senhor quem braveja: “A quem és semelhante em glória e em grandeza entre as árvores do Éden? Todavia descerás com as árvores do Éden às partes inferiores da terra; no meio dos incircuncisos jazerás com os que foram mortos à espada. Este é Faraó e toda a sua multidão, diz o Senhor Deus”(Ez.31:18). Nesse mesmo texto lemos: “Formoso o fiz com a multidão dos seus ramos; todas as árvores do Éden, que estavam no jardim de Deus, tiveram inveja dele. Portanto assim diz o Senhor Deus: Como se elevou na sua estatura, e se levantou a sua copa no meio dos espessos ramos, e o seu coração se exaltou na sua altura, eu o entreguei na mão da mais poderosa das nações, que lhe deu o tratamento merecido. Pela usa impiedade o lancei fora” (vs.9-11). Observe quantos paralelos entre essa passagem e Ezequiel 28. A diferença entre elas é que nessa, Deus usa Faraó como um tipo de Satanás, enquanto no capítulo 28, ele usa o rei de Tiro. E o texto prossegue no capítulo 32: “Filho do homem, levanta uma lamentação sobre Faraó, rei do Egito, e dize-lhe: Eras semelhante a um filho de leão entre as nações, e tu foste como um dragão nos mares, e ferias os teus rios, e turbavas as águas com os teus pés, e sujavas os teus rios” (v.2). Fica claro que Deus está falando de Satanás, o dragão, o Leviatã, a serpente deslizante.
Na passagem que consideramos acima, o Egito, figura de Satanás, é apresentado como uma das árvores do Éden. Mas não é uma árvore qualquer. Sua altura e imponência é visível à distância, de maneira que ela chama a atenção para si.
Em Daniel 4, é a Babilônia que é apresentada como uma árvore frondosa, “que se fazia forte, de maneira que a sua altura chegava até o céu, e era visível até os confins da terra. A sua folhagem era formosa, e o seu fruto abundante, e havia nela sustento para todos; debaixo dela os animais do campo achavam sombra, as aves do céu faziam morada nos seus ramos, e todos os seres viventes se mantinham dela” (Dn.4:11-12).
Repare que o Egito e a Babilônia são dois reinos, duas nações diferentes, mas que num certo espaço de tempo, dominaram o mundo.
Jesus compara o Reino dos céus “ao grão de mostarda que um homem tomou e semeou no seu campo. Embora seja a mais pequena de todas as sementes, contudo, quando cresce, é maior do que as hortaliças, e se transforma em árvore, de sorte que vêm as aves do céu e se anihham nos seus ramos”(Mt.13:31-32).
Portanto, podemos inferir que a árvore do bem e do mal representa um reino. Mas que reino é esse? O reino angelical. Embora Deus houvesse permitido que os Bene Elohim transitassem na Terra, não era permitido ao homem estabelecer qualquer relacionamento com eles. Lembre-se que aquela árvore era do bem e do mal. O que aponta para o fato de que a esta altura, a corte celestial já estava dividida entre os anjos fiéis a Deus, e os rebeldes.
Deus queria tratar diretamente com o homem, sem a intermediação de qualquer outra criatura. A Árvore da Vida deveria ser a fonte, não apenas da vida, mas de todo o conhecimento de que o homem necessitasse. Mas certos anjos “deixaram o seu domicílio”, e travaram contacto com a raça humana. Em vez de o homem ressachar a velha serpente, preferiu dar-lhe ouvido.
Após ter comido daquele fruto proibido, o homem caiu de sua condição original, e um abismo se abriu entre ele e seu Criador. A partir daí, os anjos passaram a transitar livremente pela terra.
Continua...
[1] O termo mal’ak aparece 214 vezes no Antigo Testamento, enquanto aggelo aparece 186 vezes no Novo Testamento.
[2] Convém salientar que o verso em que Jesus diz que os anjos nos céus sempre vêem a face do Pai (Mt.18:10), poderia ser traduzido como “sempre estão diante” de Sua face. A palavra traduzida como “vêem” é blopo, que pode significar também “estar diante de”.
[3] Um exemplo disso encontramos em Juízes 13
[4] 1 Pedro 4:14
Nenhum comentário:
Postar um comentário